Enquanto olhares se cruzam em bares sujos nos becos de Londres, os olhos de Pedro se abrem para um velho novo dia; Enquanto corpos suados se entrelaçam no banco traseiro de um Camaro velho em alguma rua escura, um simples desenlace das mãos de Pedro e Monica ocorre em meio dos travesseiros; Enquanto o silêncio da madrugada é quebrado pelos carros barulhentos, buzinas atordoadas e despertadores atrasados, um silêncio quase que insuportável adentra o quarto mais forte do que os raios de sol que passam pelas frestas da janela; Enquanto o nascimento de uma nova vida é comemorado na Índia com muita festa, cor e alegria, na tumultuada cidade de São Paulo, dentro de um apartamento antigo abarrotado de lembranças, só se pode ouvir o barulho da cafeteira, o relógio de ponteiro doze minutos atrasados e o amor de Pedro e Monica que uma noite dessas saiu pela porta por onde entrou e nunca mais retornou.
Eram como completos estranhos que acordaram um dia por acaso do destino ao lado um do outro. A falta daquele amor que saiu pela porta os tornara completos desconhecidos. Vestiam-se calados. Meio que sem jeito ela abotoava o sutiã, quase que sem graça ele calçava os sapatos. As horas da manhã pareciam passar mais arrastadas que uma lesma. Durante o silencio sepulcral eles se perguntavam para onde teria ido aquele amor, será que voltaria a tempo do almoço?
Uma xícara de café, Pedro não perdera ainda o costume de servir Monica da maneira como ela gostava, mais leite do que café. Ela forçou um sorriso, que lhe costuraram rugas em volta dos olhos baixos. Ela estaria perguntando a si mesma se fizera a escolha certa? Nenhum dos dois ousara quebrar o silêncio, de tanto podia-se ouvir com perfeição cada movimento de vida da janela para fora. E antes que Pedro pudesse tomar um pouco de ar e um pouco de café, Monica levantou-se e foi em direção a varanda ensolarada. Lá estavam os dois, separados, agora por duras e frias paredes de concreto.
Quando o relógio atrasado marcava meio dia e trinta e dois, pode-se ouvir a voz abafada de Monica que vinha do quarto, falava ao telefone. Pedro sentara na frente da televisão e dali não saíra, nem ao menos ligou-a. Em uma de suas mãos frias esquentava um copo de conhaque que refletia seus olhos marejados, sabia que a qualquer momento ela sairia daquele quarto, e enfim sairia daquela casa, e ali não mais retornaria tão cedo. Se ao menos ele tivesse forças para pedir que ficasse. Mas de nada adianta, o amor não obedece, quando ele quer ir, ele vai. E ao sair fecha a porta devagar para não acordar ninguém.
O som do sapato de Monica em direção a porta e a indiferença forçada no olhar de Pedro, dor constante e mutua. Então era isso? O amor ia acabar mais uma vez, machucando, fazendo chorar? Seria o trinco da porta se fechando e mais um ciclo se encerrando? Quantas vezes mais Pedro tomaria conhaque sem pensar em Monica? Quantas manhãs Monica sentaria na cozinha esperando seu café com mais leite do que café? Há quem mais importaria os doze minutos de atraso do relógio de ponteiro na sala do velho apartamento?
As horas se passaram, os dias se passaram, os meses se passaram, os anos se passaram... As vidas se passaram. Monica passou. Pedro passou. O amor continuou passando(passeando). Por aqui, por ali, no mesmo apartamento velho, pela mesma varanda ensolarada, tomando longos e demorados cafés, uns com mais leite, outros com menos, e até mesmo puros.
O amor está sempre indo e vindo de maneiras diferentes, e o relógio de ponteiro continua doze minutos atrasados.
Maya Costa (domingo 22.05.2011)
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