terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Minhas Histórias I

 Para começo de conversa, ele é um perfeito idiota.
 Ele é grosso, mal educado, egocêntrico, sacana, feio e prepotente. Além de tudo, é careca, tem um dente de prata, a voz roca, é magrelo, cheio de tatuagens, bebe e fuma o tempo todo e é velho!

 Mas eu nunca vou me esquecer do dia em que o conheci...

 Era alguma noite dessas em que reunimos alguns amigos após o trabalho para tomar uma cerveja e fumar uns cigarros. Eu me sentia no estado mais pleno de realização com a minha vida, era como se nada naquele momento pudesse me tirar o foco, me sentia bem! A noite era quente e agradável. E foi como eu sempre que digo que é impossível acontecer, a primeira vista. Pode me chamar de tola por gostar de alguém sem ao menos saber quem é, ou como é. Mas o meu sexto sentido não costuma falhar. E olhei, e gostei, foi isso. Não foi uma paixão, nem um amor a primeira vista, foi só um gostar. Ele se fazia diferente de tudo a sua volta, de todos, até mesmo de mim. O seu dom? Deixar as pessoas o mais sem graça possível. Um completo sacana... Mas acho que eu enxerguei além disso, depois de um certo tempo, claro. Essa noite não passou disso.

 Não demora muito e um novo encontro acontece, dessa vez com mais tempo, mais disponibilidade, mais oportunidades. Quando ele chegou, foi como se todos ali tivessem por um momento desaparecido, e eu tivesse novamente 14 anos, sem saber o que falar. Não precisou muito para eu cair de volta na realidade e retomar tudo que tinha anteriormente planejado falar. Porém, a surpresa, ele não era como os outros, ele não era previsível! Sabe aquele tipo de homem que cai em uma frase de efeito bonita jogada com um ar meio sedução intelectual? Pois é, ele não era desses. Como eu disse, seu dom de fazer as pessoas perderem o rebolado era ótimo. Lá estava eu, desarmada, sem frases de efeito, sem saber exatamente onde estava pisando. Foi ai que eu percebi que ele não era do tipo de pessoa que se decifra rápido, e eu gostei disso.
Depois dessa descoberta, o resto foi só perfumaria. Os olhares diziam mais do que qualquer filosofia barata de conquista. Foi com ele que eu aprendi a me calar em alguns momentos. Surgiu então, uma admiração recíproca, um sentimento mútuo, e uma sensação de "Por que ele(a) gosta de mim?", nenhum dos dois ousou sequer um dia perguntar isso em voz alta.

 Veja só que ironia do destino, a garota que não queria se envolver emocionalmente com ninguém durante um bom tempo, da noite para o dia está, eu diria, se envolvendo?! Eu acredito que realmente estava, porém de uma maneira sutil e diferente... Vê-lo era quase que confortante. Me sentia segura com a sua presença, mesmo que distante. E quando estávamos juntos me sentia plena, feliz, e não queria saber se isso tinha nome. Ele era um rei, que me fazia sua rainha... O melhor lugar, a melhor bebida, o cigarro da preferência e todo o adorno de qualidades possíveis que ele enxergava em mim. Um vez perguntaram a ele por que eu estava com ele, e ele disse que era porque eu estava pagando os meus pecados. Ele nunca foi romântico, e eu agradeço por isso. Nunca foi preciso, ele sempre foi ideal, da maneira mais estranha possível, mas ideal.

 Era incrível como todos me perguntavam como eu tinha coragem de estar com ele. Aquele ser tão escroto, aquela figura tão arrogante, e tudo aquilo que eu citei no começo, e que ele realmente mostrava ser.
Com o tempo eu percebi que só conseguia gostar dele porque não conhecia só essa mascara usada para causar impacto, eu o conhecia mesmo, pelo menos é assim que eu espero pensar sempre. Eu era capaz de enxergar dentro dos seus olhos quando tinha um problema, era capaz de sentir no seu abraço apertado o quanto me queria bem, percebia nos mínimos detalhes a sua preocupação com outras pessoas e acima de tudo a sua paixão por ser A.S.S.A. Era quase que um vício, um amor incondicional, capaz de faze-lo esquecer de si mesmo, matar e morrer por isso. Eu o admirei, e admiro muito, como um grande homem, um amoroso pai e um verdadeiro Abutre. Eu tive a grande chance de presenciar ele defender tudo isso com sua própria vida, e isso me fazia gostar cada vez mais, e acima de tudo respeita-lo. Nunca ninguém vai entender, mas isso não importa, porque eu sei que ele entende.

 Eu não vou contar sobre o final, porque não existiu final, nunca vai existir, não enquanto eu puder contar a história da minha vida, enquanto eu respirar e enquanto eu ainda o respeitar...
É só fechar os olhos que eu ainda posso ver, sentir, ouvir. De vez em quando, em noites quentes como a de hoje, eu me lembro dos bons momentos, das boas risadas e as vezes dos silêncios. É como se ele estivesse aqui.

 Ele nasceu pra isso. Para cruzar o asfalto de fora à fora. Para deixar em cada canto uma história para alguém contar, seja de tragédia, terror ou até mesmo de amor... Essa que eu contei, foi uma história de momentos felizes. Momentos esses que eu jamais espero esquecer. Que fique claro que ele não tem ponto fixo, nem parada, muito menos dona. Ele é um Abutre, pronto para voar a qualquer instante, e ninguém pode segurar... Mas quem sabe um dia em uma madrugada dessas, um Abutre não ouse pousar no meu telhado, e por lá ficar até amanhecer o dia... Eu contaria essa história também.