segunda-feira, 19 de julho de 2010

Janelas D'alma

Em novembro a história é outra, menos as noites que serão iguais, monotonamente iguais. É a vida, é o tempo e é a história que passam e deixam seus rastros, que poucos ou ninguém não possa ver, mas que poucos conseguem ou querem ver. Diz-se que quem viver verá, mas muitos viveram e não enxergaram nada. Haveria alguma diferença entre ver e enxergar? Uma com os olhos, a outra com os olhos e a alma? Mas diz-se também que os olhos, janelas da alma. Apenas enxergar, então, não é ver, que isto necessita da alma, os olhos dando passagem para o mundo até a alma, ventania casa adentro atravessada pela janela, descuidadas as venezianas e as vidraças. Seriam os óculos transparentes vidraças d'alma? Mas, se as janelas d'alma são nossos olhos, então, debruçadas no parapeito nossas pupilas dão a ver o que vai pela casa que nos habita e que habitamos, nossa alma. Dali, do alto dos olhos, espia-se por cima da íris, se vê o que por ali caminha, voa, sonha e rasteja. Vê-se ou se crê ver a umidade crescendo, os cantos ensolarados e o frio que vai por ela, porque todos temos frio, um frio na mais ensolarada manhã ou tórrido meio-dia, e a alma estala, crepita, faz trincar e não se parte. Ora, onde já se viu alma partir, não, nem uma, nem outra coisa, nem se vai, nem se multiplica em milhares, centenas ou dezenas. Não. Permanece una, com suas faiscantes janelas a piscar, estrelas, duas a riscar o firmamento de nosso rosto, face, um dos lados da janela, o de fora e que se vê. Face leste, face oeste, será norte ou sul? Não. Não se vê de dentro pra fora, os olhos às avessas. Sabe-se já, a ciência que esmiuça tudo, o que há e de que é feito ali dentro, cones e bastonetes, pontos cegos, líquido cristalino. Mas como é a janela vista de dentro, o parapeito, a vidraça, a veneziana, terá trinco pra quando se fecha nas noites de sono, mesmo na mais longa delas, a eterna noite da vida? Terá cor, será possível vê-la em cores? Não. Não se vê de dentro pra fora e se desconhece profundamente quem nos habita, de que matéria somos feitos, de que nos fazemos e fizemos, o mobiliário, as cadeiras e a mesa para o chá, uma pianola, talvez um colchão. Mas não se deita ao avesso, não se estende o corpo ali quando pede descanso, muito menos se prepara o chá. A música, esta talvez, que nos entra pelas janelas e se funde com nossa matéria, mas não se vê. Como a lua, face clara, face escura, a que se dá a ver e a que se nega. Ali está o que não se vê. Mas deixa ser visto. A piscar dois olhos brilhantes, são as janelas os olhos da alma.

Mário Costa

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